Quando o Meu Marketing Digital É Maior Do Que o Teu comunicação
Vamos imaginar que sou um escritor de romances literários, um verdadeiramente mau. Assim não estaremos muito longe da verdade. Pelo menos na parte do mau.
Mas peço alguma condescendência para que possa expor uma fantasia tirada de uma mente insana.
1º Capítulo – O Director Trendy
O dia estava chuvoso e cinzento, o bocejo estava prestes a assomar nos lábios do Exmo. Sr. Dr. Gonçalves, senhor bem apessoado com os seus bem passados 54 anos, director de uma empresa de produtos de limpeza, enquanto ouvia os seus companheiros de almoço falarem do quanto estão avançados no tempo. A empresa do Sr. Eng. Martins já tinha 55.000 fãs na página do facebook, uma tal de rede social onde as pessoas passam muito tempo e está sempre nas notícias. O Sr. Arq. Arriaga dá um murro na mesa e eleva o seu vozeirão como o troar de vitória e remata com 125.000 fãs no facebook, uma lista de email de 3 milhões de endereços (comprados a outrem). Eleva os braços em sinal de vitória.
O Exmo. Sr. Dr. Gonçalves está cabisbaixo e com um esgar de impaciência, reclama de que era tudo “modernices” e que ainda teriam dissabores em vez de apostar onde sempre fizeram: imprensa, revistas, rádio e no sempre omnipresente televisão. É então que entra em acção o Prof. Menezes que aponta hoje em dia TODOS estão na internet e que se as empresas quiserem sobreviver têm de estar onde as pessoas estão. Não contente com isso, ele aponta com um ar superior que tem uma presença abrangente por todo o universo online e tem a sua marca exposta em mais de 30 redes sociais, tem 10 sites, um envio massivo de email a mais de 10 milhões de utilizadores, uma campanha no Google que está sempre no nº 1 das pesquisas e uma equipa que até faz umas aplicações “giras” para jogar nos novos “aparelhómetros” móveis.
Levanta-se para agradecer o ressoar de aplausos que os seus companheiros de almoço se esforçam por aclamar.
O Exmo. Sr. Dr. Gonçalves ao mesmo tempo que aplaude, não evita um certo desconforto e toma uma decisão na hora. Quando chegasse ao escritório iria falar com o Dr. Castro, o seu simpático director de marketing.
2º Capítulo – O Simpático Director de Marketing
O Dr. Castro bebericava do seu cafézinho enquanto fazia a sua pose de George Clooney, quando entra ruidosamente o Exmo. Sr. Dr. Gonçalves com uma cara de poucos amigos e um olhar decidido.
Quase se engasga enquanto se levanta apressadamente da sua cadeira e mal evita entornar o café na sua impoluta camisa branca.
– Oh Castro, há que elaborar uma estratégia de forma imediata para estarmos também no digital. – Esbraceja com convicção. – Hoje em dia não há uma empresa que se preze que não esteja aí e ainda não vi da sua parte nenhuma iniciativa nesse sentido. Anda a dormir ou o quê?
– Mas Sr. Dr. Gonçalves, eu tinha-lhe passado um estudo no último acordo de orçamento de marketing e tinha recusado avançar para… – balbucia o pálido Dr. Castro quando começa a sentir uns suores frios escorrerem pelas suas costas.
– Então era aquilo? Oh homem, tem que se saber explicar melhor. O que me apresentou não tinha pés nem cabeça. – dá um murro na mesa do cada vez mais nervoso Dr. Castro e continua com o seu toar imperialesco. – Ora faça lá um plano imediato para estarmos no digital.
– Com certeza, vou já sentar-me com a nossa agência e …
– Eu quero ter amanhã 500.000 fãs naquele face*… qualquer coisa e uns 50 sites, assim como vídeos no iutubi* ou lá o que é isso.
– Mas… amanhã? Penso que isso deverá levar o seu tempo e…
– Não quero saber, Castro. Isso são os seus problemas. Pagamos uma fortuna a essa agência e não estou a ver os frutos. Há que ter isso já para amanhã pois vou almoçar com o snob do Menezes e quero tirar-lhe aquele esgar de superioridade da sua cara o quanto antes.
3º Capítulo – A Agência Hip
O expedito e solícito Brás, account manager da marca, apressa-se a chegar ao escritório do seu cliente, ainda a tentar arrumar os “prints” que lhe caiem da pasta que arrasta atrás de si enquanto passa pela secretária nervosa que atende o telefone ao mesmo tempo que leva um café para o zangadíssimo Dr. Castro que não pára quieto na sua cadeira de pele italiana.
– Muito bom dia caro Dr. Castro. – sorri enquanto se aproxima de mão estendida e tentando aplicar o seu melhor sorriso.
– Será um bom dia quando vocês me deixarem bem visto perante a direcção. – resmunga o nervoso Dr. Castro enquanto sorve ruidosamente da sua chávena de café e remata com um olhar apreensivo para o hesitante Brás.
– Mas caro Dr. Castro, temos apresentado estratégias bastante interessantes!
– Não foi o suficiente. De uma vez por todas quero objetivos bem definidos e consistentes com a nossa estratégia de expansão de novos horizontes.
– Novos horizontes?
– Acaso já não tínhamos falado disso ou passou-lhe ao lado?
– Creia-me Dr. Castro que…
– Não me interrompa! – esbracejou. – Quero 700.000 fãs no facebook, mais de 80 sites e temos que estar em todo o lado online. Inclusive no bendito youtube.
*Cof, *Cof *Cof…. – Perdão, Dr. Castro? Mas acaso, há uma linha de orientação para essa campanha? Ou seja, o que promover a esse público…
– Mas afinal, para que vos pagamos? Não me interessa como, mas necessito desse objetivo até amanhã.
– Mas, caro Dr. Castro, permita-me…
– Estamos falados Brás, vamos lá a isso! Agora apresse-se porque o tempo urge.
– E o budget para…
– O budget não é problema. Pagamos o que for preciso! Mas espere o facebook e estas coisas do youtube não são grátis? Os emails, você compra um CD por uns poucos euros. Não se aproveite, ó Brás!
4º Capítulo – A Equipa Criativa com Deadline
Um rabugento Brás chega à sala de briefing reunida de urgência com a melhor dupla criativa, um gestor de projeto, 10 estagiários e uma senhora da limpeza para dar o seu contributo democrático à sessão de brainstorming.
– Muito bem, pessoal! Os objetivos desta acção são bem simples. – define o solícito Brás, com as mãos nas ancas e ar bastante apreensivo enquanto olha para todos os que circulam a sala apoiados em puffs e sofás impossíveis de sentar confortavelmente mas que dão um ar “design” ao espaço. Talvez por isso, a senhora da limpeza escorregue de um mapple para cima da Catarina, a estagiária que se graduou com honras da melhor do ano, faz todo o trabalho de produção mas não recebe nada mais que a experiência de uma agência top Portuguesa. – Deixe-se de brincadeiras ò Dona Alzira que o assunto sério!
– Desculpe menino Brás, mas estes sofás são uma armadilha mortal!
– Bom, vamos continuar. – faz uma pausa hollywoodesca. – Amanhã temos que apresentar 1 milhão de fãs, 100 sites temáticos, 20 vídeos no top rank do youtube e uma notícia viral por todas as agências noticiosas do mundo. Por isso, vamos lá arranjar uma ideia absolutamente fantástica e pôr mãos à obra.
Todos se viram para a dupla criativa estrela da agência. A dupla criativa vira-se para si mesma. A dupla criativa vira-se para todos os presentes e pergunta:
– Mas qual o objetivo central?
************ Silêncio ***************
– O cliente pediu, nós entregamos! – disse o presidente da agência da porta da sala onde tinha parado por uns breves momentos. – Carry on! – tartamudeia enquanto volta a seguir o seu caminho dado que estava atrasado para um compromisso inadiável com um gestor de topo num campo de golfe.
Após a devida pausa de 30 segundos, o solícito Brás vira-se para a dupla e o drt de projecto e sentencia:
– Temos 18 horas. Vamos a isso!
A dupla aproxima-se do quadro branco e começa logo a dissertar uma série de murmúrios incongruentes do qual sai finalmente o foco central de toda esta campanha:
– Muito bem, a inspiração de toda esta campanha é … a Laranja! É anti-gordura o que diz bem com o modelo de produtos de limpeza do cliente, é “gira” de visualizar numa campanha massiva e a cor é a que os estudos (os célebres estudos) apontam como a que irá obter os melhores resultados.
Palmas efusivas de toda a platéia. *Clap, *Clap, *Clap…
– Isso é fantástico! Muito bem…
– Ainda bem que gostaram. Muito bem, produção, toca a produzir! – sorriem satisfeitos enquanto olham para a equipa de 50 estagiários que param as palmas e começam a olhar uns para os outros com um sorriso amarelo.
5º Capítulo – Resultados Fantásticos
O solícito Brás chega à agência e logo que liga o seu lindíssimo Macbook, liga para o director de projecto para saber dos resultados do briefing de ontem.
– Bom dia, Vitorino! Faz-me chegar por favor os acessos aos relatórios das nossas páginas e os resultados para poder integra-los na minha apresentação “bonitinha” para fazer chegar ao cliente.
Passados 5 minutos o seu iPhone dá-lhe o característico som de um email novo na sua caixa de entrada, mesmo no meio de uma dentada no seu croissant integral com geleia de groselha. Ao abrir a mensagem, sorri com prazer satisfeito ainda com um pedaço de geleia nos dentes pelo profissionalismo da sua equipa de produção. Dá gosto trabalhar numa equipa assim!
Prepara um relatório dentro do template que já tem trabalhado e remete para o email do Dr. Castro enquanto coloca as mãos atrás da nuca e recosta-se na sua cadeira rotativa olhando para a vista do seu gabinete envidraçado.
O Dr. Castro, ouve o seu BlackBerry zumbir enquanto se aproxima do seu lugar de estacionamento na empresa à sua hora habitual e tenta ler o email enquanto tenta controlar um desvio inusitado de uma velhota no seu Renault Clio. Devia ser proibido que outras pessoas conduzissem a esta hora nas estradas. Torna tudo um perigo, pensa ele enquanto orienta o volante com o joelho, com uma mão explora o email e a outra segura o seu queque de amêndoa.
Satisfeito, envia um SMS para o Exmo. Sr. Dr. Gonçalves com os resultados da noite anterior de trabalho.
– Toma lá disto! Agora diz lá quem está a dormir… – exclama após enviar a mensagem, virando abruptamente o volante porque se tinha distraído e quase tinha atropelado um carrinho de bebé numa passadeira. – Mas que ideia esta de atravessar a estrada mesmo quando estou a passar. Há cada maluco!!
O Exmo. Sr. Dr. Gonçalves solta o seu gemido aborrecido quando é alertado de mais uma mensagem ao ler o jornal do dia enquanto o seu motorista se dirige ao local do almoço do costume. Lá dobra o jornal enquanto reclama do aborrecimento que é estar sempre a ser incomodado com coisas quotidianas, quando tem mais que fazer.
Mas não deixa de sorrir quando vê a mensagem com um esgar de superioridade. Agora o Menezes iria saber o que era gestão.
– Pois é, caro Prof. Menezes! Ontem não me quis estar a gabar, mas a minha empresa está sempre na ponta da modernidade. – lá diz com um sorriso malicioso enquanto ajeita uma couve lombardo no almoço da praxe com o seu grupo de empresários. – Veja lá que hoje já temos 1.5 milhões de pessoas no faizebuk, 80 milhões no tuítere, 300 sites espalhados por mais de 800 línguas, algumas das quais não inventadas ainda, um canal no iutubi com mais de 20 filmes, uma virose por toda a rede da agência de noticias e um case-study no Pintarestas por ter a foto mais vista de sempre.
Aclamação geral por parte dos seus companheiros de almoço com fortes aplausos o que contagia as restantes pessoas do restaurante que começam a cantar o “Feliz Aniversário” desalmadamente. Entretanto, o Prof Menezes, assim que acaba de aplaudir com um sorriso amarelo, envia por baixo da mesa um SMS ao seu director marketing com conteúdo não próprio para mencionar neste blog de respeito.
6º Capítulo – Agência de RP “to the Rescue”
A D. Esmeralda, secretária multi-tarefas do Dr. Castro irrompe pelo gabinete do simpático director de marketing, mesmo quando estava quase a terminar o seu castelo de cartas, destruindo tudo em menos de 1 segundo.
– Mas que se passa D. Esmeralda? Passou-se? – esbracejou furioso. – Não vê que estava no meio de algo importantíssimo?
– Perdoe Dr. Castro, mas as linhas de apoio ao cliente estão a ficar entupidas de reclamações, tem em linha um comissário da Comissão Nacional de Protecção de Dados, o seu Departamento de Comunicação diz que as Páginas nas Redes Sociais foram banidas, os sites foram considerados origem suspeita e estão bloqueados pelos navegadores e o Director Comercial diz que teve uma série de devoluções por parte das empresas de Distribuição face à campanha da última noite.
O simpático Dr. Castro muda 4 vezes de cor no espaço de 2 segundos até que se fica por uma cor pálida-azul-turquesa (dizem que está na moda).
– Lige-me de imediato ao Dr. Amílcar da empresa de Relações Públicas. Vamos D. Esmeralda, que faz ainda aí especada. Entretanto bloqueie todas as chamadas, estou indisponível com um ataque de encefalite aguda, caso perguntem.
Quando estava quase na porta, a D. Esmeralda volta-se com ar preocupado. – Desculpe, Dr. Castro, essa encefalite qualquer coisa pega-se?
– Vá-se daqui! – Atira-lhe as cartas que estavam ainda espalhadas na mesa enervado.
Mas passados cinco minutos já tem ao telefone o Dr. Amílcar, experiente responsável pela agência de Relações Públicas da empresa que o sossega e diz que tem um plano de contingência preparado para qualquer ocasião. Dentro de minutos, tudo estaria sanado.
No entanto, não contente com a situação, o Dr. Castro sai apressadamente por umas portas laterais da empresa e já dentro do seu Audi, acelera para a agência de publicidade, furioso e prestes a arrancar o volante pelas dobradiças (não existem dobradiças num volante, mas como qualquer romancista experiente, fiz questão de deixar um exemplo de como aplicar nonsense a uma redacção pouco cuidada).
Pelo rádio, ainda ouve um reputado jornalista mencionar em como a empresa de produtos de limpeza tinha sido alvo de um ataque de piratas informáticos cujo intuito é acabar com o capitalismo e que tinha cometido uma série de más práticas com intenção de prejudicar a imagem daquela instituição centenária. Suspira de alívio pelo rápido trabalho da agência do Dr. Amílcar. É por isso que vale a pena trabalhar com pessoas experientes. Conseguem sempre encontrar soluções credíveis.
7º Capítulo – Passe a Batata Quente
O Dr. Castro encontra-se na sala reservada a grandes contas da agência aguardando a chegada do solícito Brás que terá que obter as explicações necessárias para o cataclismo que sucedeu em termos de reputação e investimento efectuado. Entretanto, o aterrado mas solícito Brás está com a equipa a tentar perceber o que sucedeu.
O director de projecto remete as culpas a dupla criativa que não soube aplicar o briefing designado, a dupla criativa culpa a não integração do “cerne” da ideia na produção, sendo portanto a responsabilidade dos que produziram as peças. Essas pessoas que produziram as peças e o desenvolvimento foram os tais 50 estagiários que curiosamente nenhum deles teve realmente a ver com a aplicação da matéria.
A única que assumiu a situação foi a activa Catarina, que quando questionada respondeu que apenas serviu o que foi solicitado. Logo, não podia ser igualmente responsabilizada. Não conseguiu acima dos fãs solicitados? Não teve os sites efectuados? Não foi um caso que chegou à imprensa?
Foi com esta postura que igualmente chegou o solícito Brás face ao Dr. Castro. Afinal, tinham cumprido com o solicitado.
Mas o Dr. Castro não podia voltar apenas com aquela explicação. Teria que haver algo mais. Teria que haver um responsável a quem apontar o dedo.
Portanto, tornou-se simples. A responsável não podia ser outra que o Asdrúbal, o cão da agência que inadvertidamente comeu o briefing dado pelo cliente e provocou toda aquela confusão.
Sabendo que há que dar uma punição, decidiram transformar o Asdrúbal em salsichas frescas (nenhum animal foi verdadeiramente molestado na redacção deste artigo fictício), que por sua vez deram ao Exmo. Sr. Dr. Gonçalves que agora tinha que estar sempre a ouvir o bonacheirão do Prof. Menezes gozar com toda a situação.
Prof Menezes esse que por sua vez se encontrava em situação idêntica após a ordem de aumento de valores numéricos de adesão digital mas que atribuíram a uma invasão extra-terrestre do Planeta Plutão (que entretanto deixou de ser planeta), coisa que certamente se tornou mais verídica do que ser um grupo de activistas hackers que andavam a fazer matreirices online.
8º Capítulo – O Meu Será Sempre Maior que o Teu
Entretanto, a D. Alzira, a senhora da limpeza da agência de publicidade termina a sua história ao seu pequeno garoto ao qual aconselha no final da mesma enquanto lhe dá um beijinho e o mete na cama.
– Pois é, meu filho! – afaga-lhe o cabelo com carinho. – A moral da história é que tens que te tornar empresário de uma empresa de telecomunicações que no meio disto tudo foi quem viu aumentar as receitas de toda esta embrulhada! Ou então director de uma empresa de relações públicas que depois terá que resolver toda esta confusão ganhando de todos os lados envolvidos.
Epílogo
Sejamos concretos e realistas. Enquanto se der mais atenção a números que nada valem a não ser para medir o “tamanho” em comparação com os restantes, nunca mais haverá real ROI (Return of Investment) e não será esse o real propósito de qualquer iniciativa de marketing seja ela digital ou não?
Quando se avançar para qualquer meio, seja ele digital, de publicidade exterior, imprensa ou qualquer outro em termos de comunicação, sem um objectivo claro e consistente, realista, sempre aliado às boas práticas de cada formato escolhido, está a pedir problemas e muitas vezes não poderemos sequer culpar o pobre do Asdrúbal.
Nota Importante:
Este artigo é completamente fictício, não baseado em factos verídicos e apenas inspirado em notícias que o autor foi lendo ao longo dos últimos anos e que colmataram numa vontade “assolapada” de dar largas à imaginação e escrever como se não houvesse amanhã. O conteúdo não expressa a opinião de qualquer entidade, nem sequer do próprio autor e não há responsabilidade de ninguém, nem sequer do pobre cachorro Asdrúbal que serve de bode espiatório para a maioria das ocasiões.